terça-feira, 29 de novembro de 2011

Buona notte, caro mio

" Há alguns bons motivos para o italiano ser a língua mais bela e sedutora do mundo, e para eu não ser a única pessoa que pensa assim. Para entender o porquê, você primeiro precisa entender que a Europa era uma confusão de inúmeros dialetos derivados do latim que aos poucos, ao longo dos séculos, se transformaram em alguns idiomas distintos - francês, português, espanhol, italiano.
O que aconteceu na França, em Portugal e na Espanha foi uma evolução orgânica: o dialeto da cidade mais proeminente se tornou, aos poucos, a língua oficial da região toda. Portanto, o que hoje chamamos de francês é na verdade uma versão do parisiense medieval. O português é na verdade o lisboeta. O espanhol é essencialmente o madrilenho. Essas são vitórias capitalistas; a cidade mais forte acabou determinando o idioma do país inteiro.
Na Itália foi diferente. Uma diferença importante foi que, durante muito tempo, a Itália sequer foi um país. Ela só se unificou bem tarde (1861) e, até então, era uma península de cidades-Estado em guerra entre si, dominadas por orgulhosos príncipes locais ou por outras potências europeias... Toda essa divisão interna significa que a Itália nunca se unificou adequadamente, e o mesmo aconteceu com a língua italiana.
Assim, não é de se espantar que durante séculos, os italianos tenham escrito e falado dialetos locais incompreensiveis para quem era de outra região. Um cientista florentino mal conseguia se comunicar com um poeta siciliano.
No século XVI, alguns intelectuais italianos se juntaram e decidiram que isso era um absurdo. A península italiana precisava de um idioma italiano, pelo menos na forma escrita, que fosse comum a todos. Então esse grupo de intelectuais fez uma coisa inédita na história da Europa; escolheu a dedo o mais bonito dos dialetos locais.
Para encontrar o dialeto mais bonito, eles precisaram recuar duzentos anos, até a Florença do século XIV. O que esse grupo decidiu que a partir dali seria considerada a língua italiana correta foi a linguagem pessoal do grande poeta florentino Dante Alighieri. Ao publicar sua Divina Comédia, em 1321, descrevendo em detalhes uma jornada visionária pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, chocando o mundo ao não escreve-lo em latim. Considerava o latim um idioma corrupto, elitista e achava que o seu uso na prosa respeitável havia " prostituído a literatura", transformando a narrativa em algo que só podia ser comprado com dinheiro, por meio de privilégios de uma educação aristocrática.
Em vez disso Dante foi buscar nas ruas o verdadeiro idioma florentino falado pelos moradores da cidade ( o que incluía ilustres contemporâneos, como Boccaccio e Petrarca) e usou esse idioma para contar sua história.
Ele escreveu sua obra-prima no que chamava de dolce stil nuovo do vernáculo, e moldou esse vernáculo ao mesmo tempo que escrevia, atribuindo-lhe uma personalidade tão pessoal quanto Shakespeare um dia faria com o inglês elizabetano.
O fato de um grupo de intelectuais nacionalistas se reunir muito mais tarde e decidir que o italiano de Dante seria a partir dali, a língua oficial da Itália seria mais ou menos como se um grupo de acadêmicos de Oxford houvesse se reunido um dia no século XIX e decidido que - daquele ponto em diante - todo mundo na Inglaterra iria falar o puro idioma de Shakespeare.
Nenhum outro idioma Europeu tem uma linguagem tão artística, e talvez, nenhum outro idioma jamais tenha sido tão perfeitamente ordenado para expressar os sentimentos humanos quanto este italiano florentino do século XIV."

E é por isso que me apaixonei e não consigo parar de estudar.